Depois da divulgação de pesquisas de que o colesterol do ovo não era o principal vilão no aumento nos níveis de colesterol sanguíneo e sim a quantidade de gordura saturada da dieta, muita gente passou a "pintar o ovo de santo". É claro que esses dados são bastante expressivos, e realmente o ovo é uma excelente fonte de proteínas, vitaminas e minerais, mas não é por isso que se deve abusar, pois em excesso tudo é prejudicial e o ovo realmente possui uma grande quantidade de colesterol. Abaixo uma crônica engraçadíssima do Luís Fernando Veríssimo, por ocasião da "absolvição" do ovo. Lembrem-se: vamos consumir com moderação!
Ovo
Luis Fernando Veríssimo
Agora essa. Descobriram que ovo, afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram bombas de colesterol. Não eram apenas desaconselháveis, eram mortais. Você podia calcular em dias o tempo de vida perdido cada vez que comia uma gema.
Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver ovo fazia mal. E agora estão dizendo que foi tudo um engano, o ovo é inofensivo. O ovo é incapaz de matar uma mosca. A próxima notícia será que bacon limpa as artérias.
Sei não, mas me devem algum tipo de indenização. Não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia ao ovo frito. Dizem que a única coisa melhor do que ovo frito é sexo. A comparação é difícil. Não existe nada no sexo comparável a uma gema deixada intacta em cima do arroz depois que a clara foi comida, esperando o momento de prazer supremo quando o garfo romperá a fina membrana que a separa do êxtase e ela se desmanchará, sim, se desmanchará, e o líquido quente e viscoso escorrerá e se espalhará pelo arroz como as gazelas douradas entre os lírios de Gileade nos cantares de Salomão, sim, e você levará o arroz à boca e o saboreará até o último grão molhado, sim, e depois ainda limpará o prato com pão. Ou existe e eu é que tenho andado na turma errada. O fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos fritos que não comi nestes anos de medo inútil. E os ovos mexidos, e os ovos quentes, e as omeletes babadas, e os toucinhos do céu, e, meu Deus, os fios de ovos. Os fios de ovos que não comi para não morrer dariam várias voltas no globo. Quem os trará de volta? E pensar que cheguei a experimentar ovo artificial, uma pálida paródia de ovo que, esta sim, deve ter me roubado algumas horas de vida a cada garfada infeliz. Ovo frito na manteiga! O rendado marrom das bordas tostadas da clara, o amarelo provençal da gema... Eu sei, eu sei. Manteiga ainda não foi liberada. Mas é só uma questão de tempo.
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